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quinta-feira, 23 de abril de 2020

Corpo Lúteo Hemorrágico

RELATO CLÍNICO

Paciente do sexo feminino, 28 anos, apresentando dor em baixo ventre à esquerda há cerca de 48 horas. G0P0.

MAC: anticoncepcional oral, relata estar no "meio da cartela".
Sem antecedentes cirúrgicos ginecológicos.

Apresenta exame ultrassonográfico transvaginal feito há 1 dia em outro serviço com hipótese diagnóstica inicial de cisto ovariano roto.

Não apresenta sinais de instabilidade hemodinâmica.

ANÁLISE ULTRASSONOGRÁFICA

Exame ultrassonográfico transvaginal com útero em anteversão, de volume normal (50 cm³), eco endometrial de 0,4 cm.

Apresenta moderada quantidade de líquido livre em fundo de saco e em região perianexial esquerda.

Ovário esquerdo se destaca pelo aumento de volume (17cm3) e pela imagem de corpo lúteo de contornos parcialmente definidos, conteúdo heterogêneo, hipoecogênico, de finos septos, e medindo 2,7 x 1,5 x 1,4 cm.

A imagem, embora não específica, é compatível com a hipótese de cisto de corpo lúteo hemorrágico, conforme demonstram as imagens abaixo.



DISCUSSÃO

Os aspectos de imagem de cistos ovariano hemorrágicos à ultrassonografia são bem conhecidos e com sensibilidade e especificidade relativamente alta.

O padrão reticulado (ou rendilhado), com finos septos e padrão hipoecogênico, é o aspecto mais comumente descrito nos casos de formação hemorrágica em cistos.

No caso acima, além da hemorragia, se pode observar que se trata, na verdade, de um corpo lúteo de conteúdo hemático, provavelmente decorrente de um sangramento de pequena monta durante a fase ovulatória.

Nem sempre, contudo, as imagens de cistos hemorrágicos em corpos lúteos são de fácil diagnóstico. Algumas vezes a história clínica e a imagem faz diagnóstico diferencial com gravidez ectópica, endometrioma, abcesso tubo-ovariano, neoplasias ovarianas, sendo também relatados casos de hemoperitôneo como o único achado ao ultrassom.

Importante lembrar que o corpo lúteo muitas vezes se destaca pela vascularização periférica muito bem delimitada à análise Doppler e/ou Power-Doppler, e também pela sua característica parede de padrão mais espesso, homogêneo, e levemente hiperecogênica.

No caso em questão a parede do corpo lúteo aparentava estar rota, o que justifica também o aumento de líquido nos recessos pélvicos (hemoperitôneo).

Jain KA (2002) descreve alguns detalhes fisiopatológicos sobre a fase de luteinização que podem explicar a predisposição maior ao sangramento quando comparada à fase de maturação folicular. 

Segundo o autor o pico de hormônio luteinizante (LH) no meio do ciclo, além de estimular a expulsão do oócito e a formação do corpo lúteo, contribui ainda para o aumento da vascularização local. Estes vasos, ainda recém-formados e frágeis, rompem com facilidade e tornam o achado (sintomático ou não), relativamente frequente. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Xiagn H, Han J, Ridley WE, Ridley LJ. Fishnet / cobweb ovary: Haemorrhagic ovarian cyst. J Med Imaging Radiat Oncol. 2018 Oct; 62. Suppl 1:77.

Swire MN, Castro-Aragon I, Levine D. Various sonographic appearances of the hemorrhagic corpus luteum cyst. Ultrasound Q. 2004 Jun; 20(2): 45-58.

Bonde AA, Korngold EK, Forter BR, et al. Radiological appearances of corpus luteum cysts and their imaging mimics. Abdom Radiol (NY). 2016 Nov; 41(11):2270-2282.

Jain KA. Sonographic spectrum of hemorrhagic ovarian cysts. J Ultrasound Med. 2002 Aug; 21(8):879-86.


sábado, 27 de junho de 2015

Lesão de Morel-Lavellée

A lesão de Morel-Lavellée decorre de um trauma no qual é exercida força de cisalhamento entre os planos subcutâneo e a fáscia muscular subjacente, também chamado por alguns autores de "desenluvamento fechado", "pseudo-cisto pós-traumático" ou "ferimento descolante".

É muito mais comum na coxa proximal, junto ao trocânter maior, embora seja cada vez mais relatada em outros locais do corpo, como nos joelhos, região lombar, glútea, escapular, dentre outras localizações.

Este tipo de mecanismo de lesão determina a ruptura de vasos perfurantes entre os planos subcutâneo e muscular, formando coleções com conteúdo geralmente de sangue e linfa (sendo também chamada de massa hemo-linfática), mas que pode também conter gordura e até mesmo partes de tecidos necróticos.

As coleções formadas ficam susceptíveis à colonização por microorganismos e a presença de infecção muitas vezes contribui para a persistência da lesão.

Embora seu mecanismo de formação seja relacionado ao trauma, muitos pacientes se apresentam assintomáticos e até um terço deles não recorda do evento causador da lesão. Estes casos, em particular, determinam atraso no diagnóstico.

O crescimento da coleção também é determinado pelos tipos de vasos que o nutrem, sendo mais acelerado em casos de lesões arteriais, e indolentes em lesões predominantemente venosas e linfáticas.

Para o radiologista, os principais objetivos devem ser focados em diferenciar se uma coleção é aguda ou crônica, e determinar quais tecidos a compõem, sobretudo em lesões que estão há tempos sem diagnóstico.

Para tanto deve-se relembrar as fases de metabolização da hemoglobina e seu respectivo comportamento nas sequências de ressonância magnética:

- Fase aguda: coágulos e debris: alto sinal T2.

- Fase de organização do hematoma: desoxi-hemoglobina convertida em meta-hemoglobina: alto sinal ou sinal intermediário em T1.

- Fase tardia: Periferia começa a se impregnar de hemossiderina: queda de sinal T1 e T2

Ao longo do tempo forma-se uma coleção com conteúdo seroso (de alto sinal T2) encapsulado por alto teor de hemossiderina (de baixo sinal T1 e T2).







O estudo ultrassonográfico em geral demonstra uma coleção hipoecogênica, porém podem ocorrer variações de acordo com o estágio de organização do hematoma e do estágio de degradação da hemoglobina, fazendo com que haja debris, septações ou mesmo conteúdo hiperecogênico.





Os diagnósticos diferenciais mais citados são de necrose gordurosa, hematomas relacionados a coagulopatias, e miosite ossificante em fase inicial.

Como muitas vezes a lesão pode simular tumor, a história clínica prévia de trauma deve ser valorizada para ajudar na elucidação diagnóstica.

Bibliografia

1. Pitrez EH e cols. (2010). Radiologia Brasileira. 43(5). Link: 

http://dx.doi.org/10.1590/S0100-39842010000500014 


2. Mello DF e cols. (2010). Rev. Bras. Cir. Plást. 25(2): 355-60

3. Nair AV e cols. (2014). Indian J Radiol Imaging. 24(3): 288–290.

4. Chokshi FH e cols. (2010). Am J Orthop. 39(5):252-253.
 
 

sábado, 20 de junho de 2015

Displasia Fibrosa

A displasia fibrosa (DF) é mais comumente observada nas 3 primeiras décadas de vida. Embora seja uma anomalia geralmente benigna (99% dos casos), ela se caracteriza por substituir a medular óssea por material fibroso.

Na região da face, por exemplo, ela costuma comprometer com mais frequência a maxila e a mandíbula, e é responsável por determinar alterações típicas da doença, como a face leonina. Dentro deste mesmo espectro ela pode ocasionar problemas com a oclusão dentária e alterações na acuidade visual (quando há envolvimento da órbita).

(Imagem do site lookfordiagnosis.com)
Representa cerca de 2,5% de todos os tumores ósseos, e aproximadamente 7,5% dos tumores ósseos benignos.

A doença costuma ser subdividida em dois grupos, um monostótico (quando há envolvimento de um osso ou de ossos contíguos), e outro poliostótico (quando há compromete dois ou mais ossos sem continuidade).

A forma monostótica é mais comum, sendo observada em cerca de 70% dos casos, e não costuma haver predileção por sexo. Já a forma poliostótica costuma ser mais prevalente em meninas.

A DF poliostótica, quando acompanhada de manchas café com leite e endocrinopatias (puberdade precoce no sexo feminino), é chamada de síndrome de McCune-Albright.

Um fato curioso é que a forma poliostótica tende a envolver um lado do corpo e costuma envolver a cabeça com mais frequência.


(Botelho RA e cols. Radiol. Bras. 2006)
No entanto, por ser mais comum, a forma monostótica é a mais associada aos casos de envolvimento cranio-facial.

(Imagem do site lookfordiagnosis.com)
A transformação maligna, como supramencionado, é rara (1%), mas esta taxa pode ser de até 44% em pacientes pós radioterapia.

O diagnóstico diferencial mais citado da DF é o fibroma ossificante, sendo que alguns autores costumam considerar esta patologia como uma variante mais agressiva da DF.

Dentre outros diferenciais encontram-se a hiperostose, osteoma, cordoma, osteocondroma, tumor marrom e o tumor de células gigantes.

Nas imagens topográficas a DF pode ser vista em 3 formas:

- Forma compacta (50% dos casos, comum na base do crânio, esfenóide, teto da órbita)
- Forma lítica (calota craniana e ossos da face)
- Forma mista

Por serem lesões de alta densidade óssea, costumam apresentar sinal baixo em T1 e T2 ao estudo de ressonância magnética (RM)

Bibliografia

1. Botelho RA e cols. Radiol. Bras. 2006; 39(4): 269-272
2. Alves AL e cols. Rev Bras. Otorrinolaringol. 2002; 68(2): 288-92